miércoles, 17 de abril de 2013

... BELISANDRA ... a bruxa ...





CASTELO NOVO









     Aquele mês de Setembro estava raro … as temperaturas quase faziam esquecer as chuvas prometidas pelo borda de água … fazia calor.

        A vereda que conduzia à aldeia era estreita, sinuosa … e um poco acidentada.

      De sua casa ao povoado era cerca de meia hora de lenta caminhada.

 

 

 

 

 

   Belisandra parou um pouco antes das primeiras casas … respirou fundo … sabia o que a esperava … mas necesitava de fruta, ovos e um pouco de feijão.

    A merciaria ficava bem no centro da aldeia …

    Voltou a respirar fundo … tinha que ser …

   Ergueu bem alto a cabeza descoberta de cabelo ao vento e avançou.

   A meio da primeira rua havia uma taberna. Uns homens, escutando passos, a uma hora näo habitual, sairam para confirmar quem vinha.

 

 

 

 

   --- Olha! Olha! Que fazes tu por aqui?

   Outro homem ao seu lado tentava que falasse mais baixo.

    --- Porque tenho eu de baixar a minha voz? … Por uma bruxa?

    --- António, então?! Deixa a rapariga em paz …

   --- É Belisandra, a bruxa do monte.

  --- A pobre moça que culpa tem? São coisas de sua mäe.

  --- Quem Lisandra? Já a sua avó, Cassandra era bruxa … são todas umas bruxas.

   Felizmente a rua era curta e ao final Beli cortou à direita.

 

 

 

 

   Algumas mulheres estavam tomando o sol. Assim que a viram meteram-se para dentro e fecharam as janelas de madeira.

   Finalmente chegou à loja.

  Entrou. Dentro algumas mulheres faziam também as suas compras … ao verem-na dirijiram-se à porta.

   --- Dona Elvira, voltamos logo.

   --- Sim sim! De repente falta-me o ar.

  Dona Elvira, dona do comercio de merciaria fez um ar de paciencia …

   --- Olá Belisandra. Desculpa esta gente da aldeia.

   --- Não faz mal. Já estou acostumada.

   --- Então que precisas hoje?

 

 

 

 

    Em pouco mais de vinte minutos tinha um saco cheio de provisões e voltava para casa.

    Para não passar outra vez diante da taberna, escolheu outro caminho.

    Mas essa rua levava-a pela igreja.

  Duas mulheres caminhavam em sentido contrario.  Pensou en dar meia volta … mas no fundo … sentiu uma raiva subir-le pelo peito … --- Que raio!!! Não era nenhuma criminosa. Não tinha porque fugir. Levantou a cabeça e seguiu.

    --- É preciso ter muita lata para passar diante da casa de Deus.

    --- Estou de acordo.

   --- Tens que falar com o prefeito, teu marido, isto não pode acontecer.

    Passou ao lado das duas mulheres ignorando por completo os comentarios …

     Depressa as casas ficaram para traz.

    Respirou, agora de alivio … levava viveres para uma semana … uma semana em que não tinha porque voltar ali.

 

 

 

 

    Ao entrar em casa parecia que se transportava a outro mundo … um mundo de paz e harmonia.

    Essa tarde, estava sentada na sua cadeira preferida, cosendo uma roupa que necesitava reparos, quando a paz da sua solidão foi repentinamente interrompida por pancadas na sua porta.

    Beli esperou que batessem de novo e só entäo se levantou e abriu a porta.

    Do lado de fora, uma das duas mulheres com quem se cruzara aquela manhã, ali estava, olhando em todas as direcções.

    --- Posso entrar?

   Depois de uns segundos olhando-a nos olhos, Belisandra deu um passo ao lado.

    --- Faça o favor.

  Levou a mulher até a sala e fez-lhe um gesto convidando-a a sentar-se.

   --- Belisandra … primeiro quero que me prometa que não contará a ninguém que estive aqui … Deus !!! Se o meu marido descobre … que vergonha …

   --- O seu marido é o perfeito, verdade?

   --- Sim!

  --- Vejo que a senhora me necesita.

  --- Sim. … Como sabe isso?! Ainda não lhe disse ao que vinha.

   --- Não quer que o seu marido saiba que veio aqui … mas vem aqui por sua causa … estou enganada?

   A mulher olhava-a com os olhos muito abertos … depois baixou a cabeza …

  --- Sim. É verdade …

  --- Tranquila, senhora Deolinda.

  --- Sabe como me chamo?

  --- Sim. E digo-lhe que näo tem nada a temer. Sebastião, o seu marido não a engana.

   --- Não?!!!

   --- Não.

   Respirou muito aliviada …

   --- Mas ele precisa muito da sua atenção. Esta a passar um mau momento.

   --- Obrigada, Belisandra … e perdoe-me pelo de hoje de manhã …   Eu admiro-a muito, a minha mãe chegou a falar com a sua avó … e visitou a sua mãe … de facto eu estive nesta mesma sala com a minha mãe … você ainda näo tinha nascido.

   --- Bem sei.

  --- Mas como mulher do perfeito tenho que manter as aparencias … seria a chacota de todas as minhas amigas.

   --- Não se preocupe. É um estigma de que não sou culpada … mas a que me vou habituando.

   Antes de salir, Deolinda deixou um pequeno saco em cima da mesa.

   Belisandra ajudava todo o mundo, não cobrava … cada pessoa dava o que queria … assim ganhava a vida …

   Quando voltou a fechar a porta näo conteve um sorriso.

    Seria interessante ver a cara daquela mulher quando um dia descubrisse que a amiga que a acompanhava aquela manhã havia cruzado aquela mesma porta a semana passada … e não era a única.

 

 

     Tres dias depois era Domingo. Todo os habitantes da aldeia … quase todos … concentravam-se na grande igreja … era a missa mais forte da semana.

      padre João fazia sempre uns sermões especiais aos domingos … fortes … emotivos …

     Como sempre, o amplio atrio da templo era, depois da eucaristia, lugar de encontro semanal de amigos, companheiros ou simples conhecidos.

   As crianças jogavam por entre as arvores num ambiente de pura descontracção.

   O sol aberto num céu sem nuvens fazia do dia um excepcional motivo de reunião.

   Seriam umas duas horas da tarde quando um dos rapazes que jogavam chamou a atenção dos mais velhos:

    --- Olhem … que nuvem tão estranha …

   Instintivamente, todos olharam o céu … era verdade … uma estranha nuvem vinha desde o sul …

    Um “bruuuáááá” saiu da boca de todos …

   As mulheres recolheram as crianças e correras pelas ruas tentando chegar a casa.

   Os homens permaneceram de pé tentando identificar o que se aproximava.

    Um deles finalmente gritou:

    --- Gafanhotos.

   Todos correram a refugiar-se na igreja. Conseguiram fechar a grande porta no preciso instante em que a praga cobria toda a aldeia.

 

 

 

 

 

   Foram minutos de silencio no interior do templo … ninguem tinha idea do que fazer … nem como …

    Quando se decidiram a sair a visão era aterradora … o que uns minutos antes era verde e luminoso, agora era cinzento e frio.

    Finalmente um deles tomou a inciativa.

   --- Homens de Castelo Novo, agora, mais do que nunca, temos de estar unidos.

   --- Sebastiäo … homem de Deus … isto é uma maldição do Senhor … que poderemos nós fazer … pobres mortais?

   --- Algo teremos que fazer …

   --- Porque näo vamos falar com Belisandra?

   --- A bruxa do monte?

   --- Si … talvez nos possa ajudar.

   --- A ver … boa gente … se sempre a criticasteis … se sempre lhe fizeis a vida negra quando ela vem fazer as sua compras … agora quereis falar com ela? Quem vos garantiza que vos recebirá?

   --- Eu posso dar essa garantia?

   Todos olharam para o dono daquela voz.

   --- Joaquim … que dizes? Se tu sempre foste um dos mais acérrimos criticos a essa criatura …

   --- Vos recordais quando o meu filho Antonio ficou muito doente o verão passado?

   Todos se lembravam perfeitamente … Antonhito … tinha febras muito altas … o médico da aldeia näo sabia o que fazer …

   De repente o rapazito recuperou e até à poucos minutos era um dos que brincavam no átrio.

   --- Todos recordamos o que passou, Joaquim … muito embora, ainda hoje nos preguntamos como recuperou …

   --- Visitamos essa mulher.

   Fez-se silencio. Ninguem olhou o homem.

   --- Foi Belisandra quem nos disse como fazer … fui a sua casa com a minha mulher … deu-nos umas ervas … voltamos … fizemos a infusão … o menino bebeu e … pela manhã … estava sem febre.

   --- Eu tambem procurei essa mulher.

   A voz vinha do outro lado do grupo.

   --- Tu também, Miguel?

  --- Eu não, a minha mulher … sabeis que temos 6 filhos …

   --- Claro que sim.

  --- Depois de nascerem as minhas cinco filhas estavamos desesperados … queriamos um rapaz … já näo sabiamos o que fazer.

   --- Manuela foi a casa de Belisandra … ela nos disse o que fazer … e … a verdade … é que funcionou … meses depois nasceu Jorge.

    Novo momento de silencio …

  Depois Sebastião, o perfeito eleito por todos os presentes voltou a falar.

   --- Muito bem. Estou de acordo. Um grupo de nós irá a casa de Belisandra.

 

 

 

 

 

      Cerca de duas horas depois, um grupo de quatro homens subia a vereda, afugentando as centenas de gafanhotos que cobriam todo.
Beli olhou-os com medo nos olhos.
     --- Tranquila, senhora Belisandra … não tenha medo … não viemos fazer-le mal … --- ela continuava parada, olhando-os … --- necesitamos a sua ajuda.
     --- Então é melhor que entrem.
   Explicada a situação, Beli olhou-os … o que via era um grupo de homens com miedo … sem soluções …
    --- Porque recorrem a mim?
   --- Todos sabemos dos teus poderes … nem sempre te tratamos da melhor maneira … mas …
   --- Não é a mim que deveis recorrer … eu só sou a mão de um poder mais alto … deveis rezar … No altar da vossa igreja esta a imagem da senhora da Mesericordia … não é verdade?
   --- Sim, é a nossa santa padroeira.
   --- Pois rezai-lhe as vossas orações e amanhã, à mesma hora em que apareceram hoje esses animais, saí em procissão por toda a aldeia …
   Todos a olharam surpreendidos …
   Beli levantou-se, sinal que a reunião tinha terminado.




 

 

    A procissão foi preparada com todo o cuidado … todos colaboraram … as mulheres com as flores … os homens fazendo turnos para levar o andor da santa … as crianças com as velas …

     --- Preparem-se para abrir as portas.

   Batiam as duas no relógio da torre cuando a procissão começou a sair …

   Todos olhavam em volta … os animais, parados … pareciam tentar compreender o que passava.

    Então passou o impensavel.

   A procissão ia avançando … e sorpreendentemente os gafanhotos iam caindo mortos.

   Toda a tarde os fieis percorreram as ruas de Castelo Novo. Ao cair da noite … a aldeia estava limpa da praga.

   O padre João, ao voltar a imagem ao seu lugar habitual no altar mor falou com todos.

    --- Nossa Senhora da Misericordia livrou-nos de esta maldição. Para demonstrar-lhe a nossa gratidão, todos os anos neste mês de Setembro repetiremos esta procissão em seu louvor … e assim farão os vossos filhos … e os filhos dos vossos filhos …

 

 

 

 

 

     Com o cuidado habitual, Beli descia a vereda … era o dia de compras … era tambem a primeira vez que baixava à aldeia depois da “invasão”.

    Na primeira rua, a taberna do costume.

   À sua passagem sairam alguns homens, como siempre … mas em silencio tiraram o chapeu em sinal de respeito.

    Beli sorriu sorpreendida mas seguiu com o seu passo firme.

   Algumas mulheres cruzaram-se com ela …

   --- Bons dias Belisandra.

   --- Bons dias, senhoras.

  As coisas estavam, realmente, diferentes. 

 

 

 

 

 

    Esta história é conhecida por quase todos os que nasceram em Castelo Novo.

      Alguns leitores, os mais atentos, se darão conta de que é a segunda historia que escrevo que descreve uma praga de gafanhotos. Isso só vem certificar que tal “invasão” existiu e que abrangeu uma vasta zona da beira interior.

     Castelo Novo é uma aldeia muito bonita e bem cuidada, situada na encosta oriental da serra da Gardunha, a cerca de 650 metros de altitude.

      O seu passado estende-se até aos tempos do romanos.

     As ruas, traçadas segundo as curvas de nível, revelam antigos solares, paredes-meias com casas populares em pedra, pequenas varandas de madeira e restos de calçada romana.

     Alguns locais säo de visita obrigatória como a Casa da Câmara, Cadeia e Pelourinho, o Chafariz da Bica, a Igreja da Misericórdia e o castelo.

     À saída da aldeia, numa pequena elevação, fica o Cabeço da Forca, zona de execução de condenados, marcada por duas caveiras esculpidas na rocha.

      No seculo XVII encontramos a aldeia de Castelo Novo como sede de concelho.

   O concelho de Castelo Novo era constituído pelas freguesias de Lardosa, Castelo Novo, Orca, Póvoa de Atalaia, Soalheira e Zebras.

   Em 1835, o concelho foi extinto e anexado ao de Alpedrinha, passando com este e seu termo, a fazer parte integrante do concelho do Fundão, a partir de 24 de Outubro de 1855.

     Vos deixo algumas fotos de Castelo Novo:

 

 















 

 

 

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