viernes, 25 de enero de 2013

... UM CAIXÃO ... À CHUVA ...




      Sentado a um canto de camioneta de carga, António olhava com desconfiança e profundo incómodo, o caixão que se encontrava na outra extremidade.

       Não tinha muitas alternativas … ou assim … ou ir a pé os quase 15 kilometros que ainda faltavam para chegar a casa.

 

 

 

 

 

       A verdade é que tudo o que tinha que ver com mortos … e caixões … … deixavam-no elétrico com os nervos.

        Mais a mais chovia … uma chuvinha “molha tolos”, como normalmente se dizia …

     A estrada era de terra batida e os saltos …. uma constante.

 

 

 

 

 

     Não costumava voltar a casa sozinho, depois de toda uma semana de trabalho … mas este sabado o seu patrão deixou-o sair mais cedo de que o habitual e não esperou por José.

      Por um lado tivera sorte em encontrar a camioneta, normalmente fazia todo o caminho a pé … mas aquele caixão …

      Como que para ajudar … a chuva fez uma pausa … menos mal …

 

 

 

 

 

     Entre um solavanco e outro, António sentia-se cada vez mais perto de casa … e nunca tirava os olhos daquele paralelopipode de madeira …

     Foi então que de repente a tampa do caixão começou a subir …

     Primeiro pensou que fosse imaginação sua … mas não …

 

 

 

 

      O coração parecia querer saltar-le do peito … já levava um par de centimetros … e … que loucura … juraria ver uma mão muito branca sair …

      António estava petrificado … então escutou a voz:

      --- António, ainda chove?

      Era demasiado … sem se dar conta voou o tabique do camião e caíu dolorosamente na terra do caminho.

 

 

 

 

   

  Esta história foi-me contada há quase 40 anos. Em Sarzedas todos a conhecem. Ainda hoje a contam como um dos mistérios da estrada que ligava … ainda hoje liga … Castelo Branco a Sarzedas.

      Conheço outras historias do mesmo sitio, a alturas da ponte da Ocresa, e delas falarei mais tarde.

     Seria para mi, também, mais un mistério se não conhecesse pessoalmente o outro lado da história … e a verdade, é que há sempre outro lado em qualquer história.

     A historia se conta com nomes concrectos, pessoas que ainda hoje estão vivas. Por isso José e António são nomes ficticios para proteger o seu anonimato. 

 Vos deixo uma maneira diferente de olhar a mesma situação.








 

       --- Por favor, poderia dizer-me que horas são?

    O taberneiro puxou pela corrente que trazia presa ao cinto das calças. Na outra extremidade estava um relogio de prata, abriu a tampa e, antes de falar, olhou o jovem que tinha diante de si.

      --- São oito horas da tarde. --- não esperou pelos agradecimentos e voltou para dentro.

      José agradeceu, mesmo sabendo que já não o ouvia.

      Não estava o seu amigo e companheiro de viagem, António.

      Ele estava um pouco atrasado.







 


       Os dois eram de Sarzedas, uma pequena aldeia a uns 20 kilometros de Castelo Branco. Ambos tinham cumprido os 17 anos e tentavam construir o futuro. Haviam falado do assunto. 

     Os dois haviam chegado à conclusão de que só tinham tres saidas profissionais possiveis … padre … barbeiro … ou alfaiate …

       Nenhum dos dois tinha espirito de padre, bastava que passasse uma rapariga para que estivessem seguros disso.

      Barbeiro também podia ser muito complicado, aos dois tremiam muito as mãos … e as navalhas podiam perigosas …

 

 

 



 

      Restava a profissão de alfaiate … conseguiram um contacto na capital e uns meses depois da decisão aí estavam … todos as segunda feiras, pelas cinco da madrugada rumavam a Castelo Branco, aprender a arte … toda a semana trabalhando e dormindo num pequeno quarto alugado … e aos sabados, trabalhavam até às seis ou sete da tarde e, depois, a volta a casa.

    Sempre viajavam juntos, aliás, estavam juntos desde a escola primária.

    A verdade é que começava a fazer-se tarde. Será que estava atrasado? … mas normalmente era aquela hora que se encontravam para começar a viagem.

      O caminho era longo, resolveu ir andando.

 

 

 



     Com aquela chuva irritante já estava empapado.

     Ia caminhando e pensando na sua vida.

    Ansiava por chegar a casa, comer daquela comida que só a sua mãe fazia … dormir tranquilamente … y aproveitar o Domingo … pela manhã, bem cedo, o jogo de futebol … como gustava de jugar à bola … depois … a inevitavel missa … e à tarde ajudar nos trabalhos do campo … vivia para os seus fins e semana … mas passavam bem depressa … demasiado …

     Un ruido forte despertou-o do entranhado dos seus pensamentos … un camião?

 

 

 

 

 

 

     Si!!! Era um camião … podia ser que o condutor fosse um tipo simpatico e o levasse …

      Esticou o dedo polegar de maneira que o camionista não tivesse duvidas. O camião parou sonoramente.

       Do lado oposto ao volante uma cabeça masculina assomou:

       --- Para donde vais, rapaz?

       --- Para Sarzedas.

      --- Estás com sorte, para aí vamos nós. Sobe aí para tras … aqui já esta cheio …

      --- Obrigado.

     Antes que subisse o homem acrescentou.

    --- Olha uma coisa. Ahí atras vai um caixão … vai vazio … é para um conterraneo teu que há batido as botas. Não serás tu daquelas meninas amélias que se borram todas por estar perto de um caixão … verdade?

     --- Para mim não há problema.

     --- Óptimo, então sobe.

 




 

     José subiu e se sentiu totalmente tranquilo … sabia que o caixão ia vazio.

     O camião arrancou, e isso fê-lo esquecer aquela caixa de madeira.

   Que sorte tivera … chegaria muito mais cedo y completamente descansado …

     Pena aquele chuva … que además parecia ir aumentando …

    José era um rapaz prático … na sua cabeza as ideias moviam-se com a rapidez de um raio.

   A situação era muito clara, mesmo na noite que entretando já se havia instalado … alí estavam … ele, molhado … e um caixão … vacio … seco …

   Entre o pensamento, a ideia e a execução não passou nem um minuto.

     Aproveitando um troço de caminho mas plano e com menos saltos do camião, meteu-se dentro da grande caixa envernizada.

     Dentro sentiu-se acomodado … quente … seco … e quase que podia dormir um poco.

     E, realmente passou um pouco pelas brasas.




 

      Despertou com a mudança de som do camião … estava parando … apurou o ouvido …

       --- Sobe aí para tras … tens companhia.

       --- … obrigado …

     Pela voz identificou a António. E agora que deveria fazer? Sair do caixão para fazer-lhe companhia … ou deixar-se estar ali, sem molhar-se?

    Voltou a ser prático … deixou-se estar. Mas conhecia António … estaria apavorado tendo al lado um caixão … à chuva.

 

 

 

 

 

        No fundo … no fundo … não se estava a sentir muito camarada …

      Mais a mais … deixara de escutar o som das pequenas gotas de chuva batendo na caixa …

     Por isso … meteu o ombro y subiu um pouco a tampa … pela primeira fisga viu o seu amigo, no canto oposto do camião, com os olhos imensamente abertos …

       Esticou o braço fora e preguntou-lhe com a voz que le saliu:

       --- António … ainda chove?

      Estupefacto viu como o seu amigo, literalmente, voava para fora do veículo.

      Não pode evitar um forte ataque de riso …

      António, dorido e assustado não o pode ouvir.

 

 

       Dramatização de jorge peres

       Recolha directa a um dos intervenientes

       

 



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sábado, 19 de enero de 2013

... MIERCOLES ... LA SEÑORA VENDRÁ ...










 


      
    Olhou o céu procurando o sol. Pela sua posição calculava que seriam umas quatro da tarde.
    Montando Gingão, o seu cavalo preferido, João dirigia-se a galope moderado aos seus terrenos.
      Tinha 45 anos e, apesar de se chamar João Micaelo, toda a cidade o conhecia por João Pisco.
    O apelido tinha um motivo concreto, João era exageradamente delgado e não se podia dizer que comesse muito à hora das refeições. Podia ser esse o motivo.
     A verdade é que já a seu defunto pai lhe chamavam André, o Pisco. O nome ficou-lhe por herança.
    Era também conhecido por ser dono da “Quinta d Feiteira”, uma amplia quinta a cerca de quilómetro e meio do centro de Castelo Branco. Aí trabalhavam para si cerca de 10 famílias e da terra trabalhada por todos saíam grande parte das couves, alfaces, cenouras, nabos e cebolas que se vendiam todos os dias no Mercado central.
     Todos os dias, mais ou menos à mesma hora, João passava pelos seus domínios fiscalizando os trabalhos.
      Era amável com todos os seus empregados e todos o tratavam com um misto de respeito e admiração.
 
 
 


      Pelo caminho cruzou com vários cavaleiros espanhóis, algo a que estava acostumado. No entanto não podia evitar recordar os discursos inflamados de seu pai que não se acostumava à presença dos espanhóis em praticamente todas as administrações públicas.
            Quando ele tinha uns 10 ou 12 anos, contara-lhe como muito tempo antes dele nascer as coisas foram muito difíceis.
        D. Sebastião, um rei muito jovem desaparecera numa batalha em Africa…não deixara descendência e a sua família por parte da mãe era espanhola. Foi então que os nossos vizinhos ocuparam o país.
           Ele sempre vivera com aquela realidade, jamais se havia sentido ameaçado ou prejudicado.

 

       --- Buenas tardes señor Juan
      De tal maneira ia absorto nos seus pensamentos que nem dera conta que passava pelo casebre de Manolo Bruxo, espanhol radicado na cidade já há muito anos e tido como o principal vidente do local.
     O governador espanhol, diziam, visitava-o muitas vezes e esperava sempre escutar algo a seu favor.
      Soubera por uns amigos comuns que à cerca de dois meses repetira a visita. Manolo Bruxo disse-lhe que a sua estadia aqui seria só até finais do ano… furioso mandou queimar-lhe a casa.
      Embora parcialmente reconstruída ainda se podiam encontrar vestígios de queimado nas paredes.
       --- Se acercan días dificiles, señor Juan.
      João imobilizou o seu cavalo.
      –- Boas tardes Manolo. Não sei a que te referes…
      --- Complicaciones, señor Juan…complicaciones…
   --- Está bem, Manuel. Complicações todos temos.   Muito obrigado pelo aviso. Agora tenho de ir.
  Incitou o cavalo a continuar caminho. Ainda conseguiu escutar a voz do bruxo:
   --- Está usted en peligro señor Juan. Todos lo estamos…  




      Na quinta estava tudo normal.
     Josefa, sua esposa, esperava-o.
     --- Papáááá
    Assim que cruzou o largo portão uma pequena figura correu para ele… era Eduardo o único filho que tinham.
    Tinha 10 anos e quando não estava na escola gostava de estar na quinta. Via-se como o atraía o campo.
    Saltou do cavalo a tempo de agarrar o pequeno no ar e dar umas quantas voltas.
    --- Como está o meu delfim?
    --- Muito bem, meu pai. Tinha saudades tuas.
   ---Eu também, Eduardo … eu também … Josefa, como estás?
  Sua esposa estava sentada à entrada da casa bordando um pequeno pano.
   ---Bem. Quando quiseres podemos voltar a casa.    --- Está bem. Mandarei preparar o carro, deixa o cavalo descansar um pouco.


 
      Tiago o capataz, seu homem de confiança na quinta acercou-se e respeitosamente tirou o chapéu.
       --- Boa tarde senhor João.
       --- Olá Tiago. Como está tudo por aqui?
       --- De momento bem … mas seria bom que chovesse um pouco.
       --- Estamos em maio, Tiago …
     Olhou à sua volta. Dava gosto ver a Quinta da Feiteira naquela época do ano, com tudo verde e florido.
    Aquele seria um bom ano para as laranjas, peras, pêssegos…até para a azeitona…que bom…
     --- Papá … papá … vai chover?
    --- Seria muito bom, meu filho … mas não se preveem chuvas nos próximos dias.
    --- Então aquela nuvem negra não é de água?


 

     O rapaz apontava para o céu com o dedo e João não pode evitar olhar.
     No céu, uma estranha nuvem muito escura avançava rapidamente…
      --- Por Deus Sagrado … que é isso?
     A nuvem descrevia um desenho anormal e era muito grande … mas não parecia uma nuve comum … até porque todo o restante céu está azul.
    Parecia também vir acompanhada de um zumbido … de repente João sentiu perigo.
     --- Rápido, para dentro de casa. – Arrastou Eduardo pela mão. --- Zefa, sua esposa olhava-o sem compreender --- depressa, entra em casa. Tiaaaagooo.
     --- Sim patrão.
   --- Não quero ver ninguém ao ar livre… todos para dentro dos estábulos, os que não possam chegar aí que entrem em casa … rápido …
    --- Sim patrão.
    Em poucos minutos os campos ficaram desertos.   Com eles, em casa, refugiaram-se quatro ou cinco mulheres.
     --- Fechem todas as janelas e portas.
     --- Que passa, João…estamos todos assustados…
     --- Escutai…
    Agora o zumbido era muito mais forte … fazia lembrar o som das colmeias …
    Uma das mulheres espreitou pelos vidros de uma das janelas e soltou um grito …
   Correram todos a olhar para fora…a quinta tinha mudado de cor … do verde que há bem pouco tempo se orgulhava João, nada restava … era todo de um cinzento avermelhado.
     --- Porque está tudo tão escuro, papá?
     --- São bichos, meu filho… uma invasão de bichos…
    --- São gafanhotos, senhor João --- uma das mulheres havia reconhecido a ameaça --- centenas deles …



          Os seus olhos percorreram tudo o que poderia avistar desde dentro de casa… a mulher tinha razão… eram milhares e milhares de gafanhotos…tinha que saber como estavam os restantes empregados…
        --- Não vais sair de aqui, pois não? --- Josefa estava quase em estado de choque.
     --- Calma … não há perigo. --- tirou a toalha que estava de decoração em cima da mesa e enrolou-a à volta do pescoço. --- podeis sair, mas tenham cuidado com os colarinhos largos e as mangas.
      Ao sair encontro Tiago que com o chapéu tentava, em vão, afugentar os insetos.
       --- Isso não serve de muito Tiago.
      --- Senhor João…que fazemos…estão a comer toda a colheita…vai ser uma desgraça.
    --- Pois…não sei que possamos fazer…de momento vou levar a família para a cidade…já pensaremos melhor…apronta o carro, por favor.
     --- Sim senhor.       A caminho da cidade João ia olhando todos os campos por onde passavam…todos estavam cheio de gafanhotos…era uma praga…uma praga bíblica…



 
     Dois dias depois reunia-se com outros donos de terrenos, ele próprio tinha convocado a reunião.
        No grupo uma ideia estava tomando forma e peso…
      --- Temos de queimá-los… não resistirão ao poder de fogo…
    A ideia assustava-o…como poderiam controlar os incêndios?
     E se a coisa de escapasse das mãos? Arderia toda a cidade?
     --- Tem de haver outra solução…
     --- Sim. Há outra solução…que chova…
    --- Mas isso não está previsto…será difícil que chova nas próximas semanas.
    João olhava as caras preocupadas de todos.
    --- Sorte que não atacam as pessoas…
    --- E estão em todas as partes…
   --- Dizem que respeitam a igreja da ordem do Templo…
   --- Como?
  --- Estava conversando, ontem com uns mercadores espanhóis que passaram aí e dizem que num diâmetro de 100 metros não há gafanhotos.
    João ficou intrigado…



 
     Esse mesmo dia montou Gingão e dirigiu-se ao local.
   A Igreja estava a cerca de três quilómetros da sua quinta … tinha que ver aquilo…
    Pelo caminho via como os intrépidos animais fugiam ao passar do cavalo. Em cerca de meia hora chegou.
   Das ruínas sobressaía uma igreja, fechada á muitos anos, sem que ninguém soubesse do paradeiro do possuidor de tal chave.
   Quando atou o cavalo a uma árvore deu-se conta que tinham razão … um largo verde desenhava-se no chão, a toda a volta da “capela”… os gafanhotos respeitavam o local … mas porquê?
   Caminhou por aquele espaço vazio durante uns minutos…não havia dúvidas … naquele círculo de cerca de 50 metros de raio … nem um gafanhoto…



 
     Ao regressar à cidade de novo encontrou Manolo …
     --- Tinhas razão Manolo …
     --- Se lo advertí … pero nunca me creeis …
     João nem parou …
   O resto da semana passou-se entre contabilizar os danos … a informação era terrível … todas as colheitas destruídas … todo o trabalho de quase um ano inteiro tinha desaparecido … ele poderia sobreviver … mas muitos dos seus empregados estavam com dificuldades.
    Tentaria ajudar como pudesse … mas os seus celeiros não durariam muito.


 
    Duas semanas depois nova reunião.
  As caras estavam muito abatidas … a situação mantinha-se … os malditos gafanhotos haviam chegado para ficar para sempre, ao menos assim parecia …
   --- Confirmo que junto à igreja há um circulo em que os gafanhotos não entram … estive aí e não consegui encontrar a razão … mas essa é a verdade …
   --- Proponho que a próxima reunião seja aí … pode ser que venham as ideias …
   --- Devo dizer que tentei queimá-los nas minhas terras num pequeno espaço para ver qual seria a sua reação …
   --- E que se passou?
   --- Pois … nada … quando o fogo se apagou e a terra arrefeceu … voltaram …
   --- Então … amanhã encontramo-nos nas ruinas …



 
     E assim foi.
   Cerca de 30 homens ocupavam na manhã seguinte aquele círculo “mágico”.
    Entre eles estava manolho Bruxo.
    --- Que faz este espanhol aqui?
   Algumas vozes começaram a murmurar pela presença daquele incómodo personagem.
   Foi João quem acalmou os ânimos.
   --- Tenham calma. Seja ou não Português ele também é um dos afectados … temos problema muito mais importantes e graves do que discutir pela sua presença.
    Todos concordaram.
   --- Alguém sabe porque os gafanhotos não entram neste circulo?
    O silêncio foi explicativo…ninguém sabia a resposta.
    --- O bispo da Guarda virá domingo à catedral celebrar uma missa para pedir ajuda divina.
    --- À catedral? E porque não aqui?
   --- Estás a imaginar o bispo aqui? Numas ruinas? Nada sabe onde pára a chave da igreja.
    De repente Manolo levantou-se do chão onde todos se haviam sentado … levantou os braços para o céu … todos fizeram silêncio …
    --- Rezai uma eucaristia aqui …
    --- Que dizes?
    --- La virgen pide que rezeis aqui…
    --- Não blasfemes … homem …
    --- El miercoles … el miercoles vendrá la señora …
   --- Calem-me esse espanhol … ou o calarei eu com a minha espada.
    De novo João teve de acalmar a todos.
   ---- Calma, gente. Horas antes de que chegassem os gafanhotos ele tentou avisar-me … no momento não o escutei … falemos com o padre Julio , é meu amigo … ele virá celebrar uma missa aqui … não tenho dúvidas …domingo …
    --- Nooo --- gritou Manolo --- tiene que ser miercoles … el miercoles vendrá la señora …
    Após dizer isto Manolo a correr abandonou o grupo.


 
       Essa mesma tarde João pisco falou com o padre Júlio. Ele não hesitou um só momento em concordar com a missa, na seguinte quarta-feira.
       A noticia de que a Virgem apareceria correu por toda a cidade com uma rapidez rara.

      Quando nessa quarta feira João chegou à igreja ficou de boca aberta … centenas de pessoas tentavam concentrar-se o mais perto possivel do já famoso circulo …
       Alguns dos granjeiros já aí se encontravam.



 
     --- Que faz esta gente aqui?!!
    --- Não sei … quando cheguei já aí estavam … dizem que alguns dormiram a noite aqui …
     --- Todos querem ver a Virgem.
    --- João ficou muito calado … a coisa podia ficar séria.
    As horas foram passando…
    Manolo foi dos últimos a chegar.
    --- Vendrá … tenei fé … vendrá ...
   Mas com o passar do tempo as pessoas começaram a apresentar sinais de impaciência …
   O dia estava caindo … e, de noite, seria mais difícil voltar á cidade.
   De repente … uma luz forte e brilhante ofuscou a todos.
     --- ooooooohhhhhh!!!!
     A expressão foi quase uníssona ….
   Todos caíram de joelhos e inclinaram a cabeça, respeitosamente.
   “- Sei que necessitais ajuda … alguns de vós me pediram com fé … vou ajudar-vos … em troca quero que, todos os anos, nesta data, se reúnam aqui para rezar e que façam uma procissão á volta da igreja … quero todos, povo, clero e nobres … todos os responsáveis da cidade, assim como todos os que trabalham os mais diferentes ofícios … a vossa fé será recompensada.”
     Dito isto a luz desapareceu e noite instalou-se. No entanto uma clara lua cheia permitiu que todos voltassem à cidade sem problemas.



 
     Quando o sol nasceu, na manhã seguinte, já João Pisco estava na Quinta da Feiteira.
       Espanto … havia chovido.
    Junto com Tiago caminhou por entre as culturas destruídas … dos gafanhotos … nem sinal …
      --- Um milagre, senhor João … um milagre da Virgem …
    --- Parece que sim, Tiago … e se a Virgem cumpriu a sua parte, compete-nos a nós cumprir a nossa, hoje mesmo pedirei uma audiência ao governador da Cidade ...



 
     O governador o espanhol Ramon García já estava informado da situação. O milagre havia-se estendido também por terras de Espanha e a solução também os incluiu.
     "--- Queda decretado que a partir de hoy, todos los años, dos semanas despues de la Páscoa, se hará una romaria a la Virgen madre de Dios, nuestra Señora de Miercoles, ya que fue en un miercoles que la han visto. Yo mismo estaré delante en el paso que, como Ella há pedido, se hará alrededor de la iglesia. Mandaré abrir las puertas de la iglesia, pues que me parece que nadie tiene la llave.
     Que se firme esta mi decision a la fecha de hoy.
     El 16 de Mayo del año del Señor de 1640."




                      Dramatização de Jorge Peres

 
                                    A verdade:


       São várias as lendas e as histórias sobre a romaria de Nossa Senhora de Mércoles.
   Durante vários anos estudei os diferentes documentos e visitei regularmente a ermida em questão, tanto em épocas de romaria como na tranquilidade que aí se vive o resto do ano.
     Lembro-me até de estar no recinto exterior da Igreja em directo numa emissão de rádio da Rádio Juventude de Castelo Branco, onde trabalhei durante tantos anos.
    Esta história é pura ficção, utilizando como base a lenda, que a mim me parece mais plausível.
   O personagem João Pisco, jamais existiu, foi inventado numa clara homenagem a minha avó materna, a quem chamavam Ana Pisca, porque, realmente, comia pouco.
     Josefa, a mulher de João é uma homenagem a minha mãe, que assim se chama e que viveu, claro que muitos anos depois desta história na “Quinta da Feiteira”.
    É claro, que mesmo a ser verdadeira esta história, Ramon Garcia, por certo também um nome inventado, jamais poderia cumprir o seu próprio decreto já que em 1 de Dezembro desse mesmo ano de 1640 os portugueses conseguiriam a restauração da sua nacionalidade plena e os espanhóis regressariam praticamente todos ao seu país.
     Mas a verdade é que a tradição aí está, todos os anos, com milhares e milhares de pessoas participando na famosa procissão da virgem.
     Aqui fica o meu singelo contributo a uma das mais fortes romarias de todo o país.


                       Jorge Peres
           blog de jorge peres e CARLOS CAMPOS













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EL OBSERVADOR DE ENIGMAS