Sentado a um canto de camioneta de carga, António olhava com desconfiança e profundo incómodo, o caixão que se encontrava na outra extremidade.
Não tinha muitas alternativas … ou assim … ou ir a pé os quase 15 kilometros que ainda faltavam para chegar a casa.
A verdade é que tudo o que tinha que ver com mortos … e caixões … … deixavam-no elétrico com os nervos.
Mais a mais chovia … uma chuvinha “molha tolos”, como normalmente se dizia …
A estrada era de terra batida e os saltos …. uma constante.
Não costumava voltar a casa sozinho, depois de toda uma semana de trabalho … mas este sabado o seu patrão deixou-o sair mais cedo de que o habitual e não esperou por José.
Por um lado tivera sorte em encontrar a camioneta, normalmente fazia todo o caminho a pé … mas aquele caixão …
Como que para ajudar … a chuva fez uma pausa … menos mal …
Entre um solavanco e outro, António sentia-se cada vez mais perto de casa … e nunca tirava os olhos daquele paralelopipode de madeira …
Foi então que de repente a tampa do caixão começou a subir …
Primeiro pensou que fosse imaginação sua … mas não …
O coração parecia querer saltar-le do peito … já levava um par de centimetros … e … que loucura … juraria ver uma mão muito branca sair …
António estava petrificado … então escutou a voz:
--- António, ainda chove?
Era demasiado … sem se dar conta voou o tabique do camião e caíu dolorosamente na terra do caminho.
Esta história foi-me contada há quase 40 anos. Em Sarzedas todos a conhecem. Ainda hoje a contam como um dos mistérios da estrada que ligava … ainda hoje liga … Castelo Branco a Sarzedas.
Conheço outras historias do mesmo sitio, a alturas da ponte da Ocresa, e delas falarei mais tarde.
Seria para mi, também, mais un mistério se não conhecesse pessoalmente o outro lado da história … e a verdade, é que há sempre outro lado em qualquer história.
A historia se conta com nomes concrectos, pessoas que ainda hoje estão vivas. Por isso José e António são nomes ficticios para proteger o seu anonimato.
Vos deixo uma maneira diferente de olhar a mesma situação.
--- Por favor, poderia dizer-me que horas são?
O taberneiro puxou pela corrente que trazia presa ao cinto das calças. Na outra extremidade estava um relogio de prata, abriu a tampa e, antes de falar, olhou o jovem que tinha diante de si.
--- São oito horas da tarde. --- não esperou pelos agradecimentos e voltou para dentro.
José agradeceu, mesmo sabendo que já não o ouvia.
Não estava o seu amigo e companheiro de viagem, António.
Ele estava um pouco atrasado.
Os dois eram de Sarzedas, uma pequena aldeia a uns 20 kilometros de Castelo Branco. Ambos tinham cumprido os 17 anos e tentavam construir o futuro. Haviam falado do assunto.
Os dois haviam chegado à conclusão de que só tinham tres saidas profissionais possiveis … padre … barbeiro … ou alfaiate …
Nenhum dos dois tinha espirito de padre, bastava que passasse uma rapariga para que estivessem seguros disso.
Barbeiro também podia ser muito complicado, aos dois tremiam muito as mãos … e as navalhas podiam perigosas …
Restava a profissão de alfaiate … conseguiram um contacto na capital e uns meses depois da decisão aí estavam … todos as segunda feiras, pelas cinco da madrugada rumavam a Castelo Branco, aprender a arte … toda a semana trabalhando e dormindo num pequeno quarto alugado … e aos sabados, trabalhavam até às seis ou sete da tarde e, depois, a volta a casa.
Sempre viajavam juntos, aliás, estavam juntos desde a escola primária.
A verdade é que começava a fazer-se tarde. Será que estava atrasado? … mas normalmente era aquela hora que se encontravam para começar a viagem.
O caminho era longo, resolveu ir andando.
Com aquela chuva irritante já estava empapado.
Ia caminhando e pensando na sua vida.
Ansiava por chegar a casa, comer daquela comida que só a sua mãe fazia … dormir tranquilamente … y aproveitar o Domingo … pela manhã, bem cedo, o jogo de futebol … como gustava de jugar à bola … depois … a inevitavel missa … e à tarde ajudar nos trabalhos do campo … vivia para os seus fins e semana … mas passavam bem depressa … demasiado …
Un ruido forte despertou-o do entranhado dos seus pensamentos … un camião?
Si!!! Era um camião … podia ser que o condutor fosse um tipo simpatico e o levasse …
Esticou o dedo polegar de maneira que o camionista não tivesse duvidas. O camião parou sonoramente.
Do lado oposto ao volante uma cabeça masculina assomou:
--- Para donde vais, rapaz?
--- Para Sarzedas.
--- Estás com sorte, para aí vamos nós. Sobe aí para tras … aqui já esta cheio …
--- Obrigado.
Antes que subisse o homem acrescentou.
--- Olha uma coisa. Ahí atras vai um caixão … vai vazio … é para um conterraneo teu que há batido as botas. Não serás tu daquelas meninas amélias que se borram todas por estar perto de um caixão … verdade?
--- Para mim não há problema.
--- Óptimo, então sobe.
José subiu e se sentiu totalmente tranquilo … sabia que o caixão ia vazio.
O camião arrancou, e isso fê-lo esquecer aquela caixa de madeira.
Que sorte tivera … chegaria muito mais cedo y completamente descansado …
Pena aquele chuva … que además parecia ir aumentando …
José era um rapaz prático … na sua cabeza as ideias moviam-se com a rapidez de um raio.
A situação era muito clara, mesmo na noite que entretando já se havia instalado … alí estavam … ele, molhado … e um caixão … vacio … seco …
Entre o pensamento, a ideia e a execução não passou nem um minuto.
Aproveitando um troço de caminho mas plano e com menos saltos do camião, meteu-se dentro da grande caixa envernizada.
Dentro sentiu-se acomodado … quente … seco … e quase que podia dormir um poco.
E, realmente passou um pouco pelas brasas.
Despertou com a mudança de som do camião … estava parando … apurou o ouvido …
--- Sobe aí para tras … tens companhia.
--- … obrigado …
Pela voz identificou a António. E agora que deveria fazer? Sair do caixão para fazer-lhe companhia … ou deixar-se estar ali, sem molhar-se?
Voltou a ser prático … deixou-se estar. Mas conhecia António … estaria apavorado tendo al lado um caixão … à chuva.
No fundo … no fundo … não se estava a sentir muito camarada …
Mais a mais … deixara de escutar o som das pequenas gotas de chuva batendo na caixa …
Por isso … meteu o ombro y subiu um pouco a tampa … pela primeira fisga viu o seu amigo, no canto oposto do camião, com os olhos imensamente abertos …
Esticou o braço fora e preguntou-lhe com a voz que le saliu:
--- António … ainda chove?
Estupefacto viu como o seu amigo, literalmente, voava para fora do veículo.
Não pode evitar um forte ataque de riso …
António, dorido e assustado não o pode ouvir.
Dramatização de jorge peres
Recolha directa a um dos intervenientes
OUTROS BLOGS DO AUTOR:
No hay comentarios:
Publicar un comentario