Chamou a sua aia de confiança.
--- Bruneida … sois minha amiga … mais do que minha aia … verdade?
--- Sabeis que sim, senhora … nos conhecemos desde pequenas … brincamos juntas … e vos acompanhei sempre mesmo quando vos casastes.
--- Verdade que sim … amiga minha … lembro-me que chorei muito no teu ombro quando o meu pai fechou o contrato do meu casamento com Wuamba.
--- Lembro-me perfeitamente.
--- Por isso peço a vossa ajuda neste momento.
--- Sei o que quereis.
--- Sabes?
--- Sim … conheço-vos há tantos anos … quereis encontrar-vos com o mouro.
--- Sim! Me acompanhais?
--- Sabeis que sim.
--- Podeis conseguir que abram as portas sem que se dêem conta que sou eu que saio?
--- Bem. Conheço o chefe dos sentinelas. Não haverá problema.
Coberta com um dos lenços de aia, Amélia e Bruneida não tiveram problemas em sair. No rio, perto da margem, estava uma pequena barcaça.
--- Vos espero aqui, senhora.
Amélia entrou pela agua e aproximou-se do barco … o homem ajudou-a a subir.
--- Obrigado por vir.
--- Não devia estar aqui … sabeis isso.
--- Talvez … mas me alegro muito que estejais agora mesmo comigo.
--- Não sei nem por que vim.
--- No importa … estais aqui … nada mais importa.
--- Bem!
--- Posso perguntar-vos algo?
--- Sim.
--- Conheço Wuamba … tem já alguma idade … vós sois jovem … bela … como vos casastes com ele?
--- Uma velha historia. Um contrato do meu pai com o meu marido … não tive nada que ver com esse tema.
--- És demasiado jovem e demasiado bela … necessitais alguém que possa amar-vos plenamente …
--- Perdoa … devo regressar … se me descobrem … se nos descobrem … estamos perdidos …
--- Está bem … posso perguntar-vos quando voltareis aqui?
--- Não sei … talvez amanhã.
--- Vos esperarei aqui …
--- Cuidado … podem ver-vos …
--- Estarei atento.
Rapidamente Amélia saiu do pequeno barco e se reuniu com Bruneida que ficara na margem.
Regressaram ao castelo sem falar.
Durante toda a semana Amélia encontrou-se com Mutsafari todas as noites … era encantador … educado … muito diferente da ideia que lhe tinham dado dos mouros …
A ultima noite, antes do previsível regresso de Wuamba, despediram-se e o rei mouro deixou-lhe umas palavras:
--- Construirei um túnel, atravessarei o rio por debaixo, chegarei até ao castelo e vos trarei comigo. Basta para isso que me digais que o quereis.
Amélia ficou sem palavras … olhou aquele homem belo que a luz da lua iluminava e sentiu o que nunca sentira antes no seu peito.
--- Sim. --- respondera-lhe antes de voltar.
Então ele pegou-lhe na mão e a levou aos seus lábios.
Com o regresso do rei , tudo voltou ao ritmo normal de vida.
Durante os primeiros dias Amélia evitou baixar ao rio …
Passaram meses sem ter qualquer noticia ou contacto com Mutsafari.
Uma manhã, Wuamba, entrou pelo salão onde se encontrava Amélia.
--- Tenho que falar-vos.
Amélia fez sinal a Bruneida para que se retirasse.
Rapidamente ficaram sós.
--- Dizei-me senhor meu rei.
--- Os soldados descobriram um túnel muito perto do rio … parece vir do lado mouro … por acaso não sabeis nada do assunto?
--- Eu?!!! De um túnel!?!!?
--- Vamos … Amélia … --- raramente a tratava pelo seu nome … --- por alguma razão sou rei … sei tudo o que se passa no meu reino … esteja ou não presente.
--- Não sei a que vos referis …
--- Pois ... que sei que, praticamente todos as noites em minha ausência, vós saisteis do castelo.
Amélia estava gelada.
--- Por isso pergunto de novo … sabeis algo sobre esse túnel?
--- Não --- a voz tremia-lhe.
--- Penso que a ideia era chegar ao castelo … algum erro de calculo levou a que terminasse muito longe de isso. Devo informar-vos que quando o descobriram o túnel saiam dele dois mouros que foram mortos imediatamente no local.
Amélia levantou-se de um salto … movimento que não passou desapercebido a Wuamba.
--- Tranquila … nenhum dos dois era Mutsafari.
Amélia deixou-se cair na cadeira de madeira.
--- Falamos claro?
--- Sim.
--- Vos encontrastes com ele em minha ausência?
--- Sim.
--- Em terra?
--- Não … num barco.
--- Bem! Não faltou ao acordo que temos.
Olhava-a intensamente … Amélia estava cada vez mais nervosa ...
--- O vosso coração bate por ele?
Amélia ficou olhando o vazio … sabia que a sua sorte estava definida … a sua vida estava por pouco.
--- Responde livremente … não vos condenarei … sei perfeitamente a diferença de anos que temos, vós e eu … sei que não posso dar-te tudo o que necessitas … por isso responde com verdade … amas-o?
--- Sim.
--- Obrigado pela franqueza.
Dando meia volta, Wuamba retirou-se. Amélia não aguentou mais os seus nervos e caiu em pranto a que veio Bruneida tentar aliviar.
Não voltaram a tocar no tema, e, aparentemente, a sua vida seguiu normal.
Amélia não voltou a rio … não que lhe o proibisse o rei … mas não queria arriscar.
Uma tarde, Bruneida entrou correndo ….
--- Que te passa?
--- Senhora … senhora … está aqui … está aqui …
--- Tranquila Bruneida … que passa ? Quem está aqui?
--- Mutsafari … o rei mouro … está no salão principal … esta falando com o nosso rei …
Amélia não sabia que pensar …
--- E não é tudo, senhora.
--- Há mais novidades ainda?
--- Sim … o rei Wuamba requer a vossa presença de imediato no salão.
Amélia ficou um pouco confundida. Algo se estava passando … já saberia qual o plano do seu marido.
Ao entrar , cruzou imediatamente o olhar com Mutsafari.
Wuamba abriu os braços.
--- Ah! Estais aí senhora. Aproximai-vos.
Educadamente o mouro levantou-se perante a sua presença.
--- Já conheceis o rei Mutsafari … como penso que temos um assunto que interessa a todos mandei chamá-lo, e ele, muito amavelmente, acedeu a vir até aqui.
O mouro fez-lhe uma vénia.
Amélia não conseguiu articular palavra.
--- Vou ser muito franco com os dois. O rei, nosso vizinho comunicou-me o seu grande interesse por vós. Por outro lado o vosso interesse por ele já o conheço … e eu não vou meter-me entre os dois.
Fez-se silencio.
--- Por isso decidi que se vós quereis, senhora, vos regalo a Mutsafari.
Amélia olhou o rei mouro sem compreender muito bem que se estava a passar …
--- Permitis que fique com ele?
--- Assim é.
--- Sem nada mais.
--- Sem mais nada … não sou rancoroso …
--- Quando poderei vir a buscar-la --- a voz de Mutsafari parecia calma.
--- Dentro de duas semanas, por ocasião da festa do solesticio … esperai no rio, onde vos encontrastes na minha ausência … aí a mandarei quando o sol cruze o meio dia.
Com uma vénia o rei mouro dirigiu-se à porta e acompanhado por quatro dos seus homens, desapareceu pelo corredor.
Amélia ficou estática … olhando Wuamba …
--- Pareceis surpreendida, senhora.
--- Completamente …
--- Para que não se diga que Wuamba não tem coração.
Os dias arrastaram-se penosamente para Amélia … a emoção apoderava-se cada vez mais dela … os nervos não lhe permitiam parar nem um segundo.
--- Amanhã é o grande dia, senhora.
--- Ai! Bruneida … que emoção …
--- Terei saudades vossas … senhora …
--- Que dizes? Tu irás comigo.
--- Eu?!
--- Sim, Bruneida … és a minha aia de confiança … és minha amiga … não abdico da tua companhia … nem dos teus serviços …
As lágrimas apoderaram-se da aia e as duas acabaram abraçadas.
Finalmente chegou o dia aprazado …
O castelo estava engalanado e podia-se respirar o espírito de festa.
Com um dos seus mais belos vestidos, Amélia entrou no salão onde a esperava Wuamba.
--- Estais bela, senhora.
--- Obrigado.
--- Estais feliz?
--- Sim.
--- Acompanhai-me.
Esticou-lhe o braço e Amélia, encantada, tomou-lhe a mão.
Saíram do palácio e caminharam por entre a gente.
O sol estava perfeitamente a pique … era meio dia.
--- Baixaremos caminhando, meu rei?
--- Não.
Assim que passaram o grande portão o rei Wuamba tirou o braço e fez um movimento com a mão.
Imediatamente dois soldados se colocaram um a cada lado de Amélia.
--- Que passa, meu rei?
--- Deveis acompanhar-los … eles te levarão a Mutsafari.
O seu tom era agora mais sério.
Os soldados levaram-na até a um recanto. Aí encostada à muralha estava uma grande roda de pedra ... pertencia ao moinho.
--- Que está passando?
--- Perdoe senhora … recebemos ordens.
Segurando-a com os braços abertos Amélia foi amarrada à roda perante os seus gritos de protesto.
--- Majestade, já está.
--- Muito bem … então que ela não falte ao seu encontro.
Quatro homens levaram a roda até ao inicio da ladeira e com um movimento coordenado lançaram-na pela encosta abaixo.
Os gritos de Amélia eram abafados pelo ruído da roda de pedra, rolando em direcção há comitiva de recepção do rei mouro, que a esperava no rio.
A poucos metros de Mutsafari, Amélia já não gritava. A roda entrou pelo rio imobilizando-se em poucos metros. Os homens do rei mouro libertaram-na de imediato … mas estava morta … destroçada … perante o olhar desolado de todos os que a esperavam.
Mutsafari, com os olhos vidrados olhou furioso na direcção do castelo … conseguiu ouvir a voz de Wuamba gritando:
--- Cumpri a minha parte do contrato. Disse que te a entregaria … só não disse como.
Alguns quilómetros depois de entrar em Portugal, o Rio Tejo depara-se com um importante acidente geológico: as Portas de Ródão.
Neste local, o rio forma um estreitamento, dando lugar a uma impressionante garganta, a mais importante que o rio tem em território português.
O principal interesse ornitológico deste local reside na sua colónia de abutres.
No local ainda esta bem conservado, o castelo do rei Wuamba.
Embora inicialmente não estivesse de acordo com a nomeação devido à sua avançada idade, Wamba foi forçado pela nobreza a aceitar o trono em 1 de Setembro do ano de 672 na localidade de Gertici ou Gérticos, depois chamada de Wamba em sua honra (Valladolid).
Foi o último rei que deu esplendor aos visigodos. Com a sua morte começou a decadência do império.
O rei Wamba retirou-se para o mosteiro de Monjes Negros de San Vicente em Pampliega, Burgos, actualmente desaparecido, e aí morreu no ano de 688.
Esta lenda sobre a esposa de Wuamba, passou de geração em geração e ainda é contada por terras de Vila Velha de Ródão.
Dizem, no local, que ainda hoje é bem visível o sitio por donde rolou a roda de pedra do moinho, com Amélia amarrada … por toda terra pisada pela grande roda, jamais nasceu qualquer vegetação … até hoje.
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