domingo, 12 de mayo de 2013

... A ESPOSA DO REI WUAMBA ... ( final )

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  Chamou a sua aia de confiança.

   --- Bruneida … sois minha amiga … mais do que minha aia … verdade?

   --- Sabeis que sim, senhora … nos conhecemos desde pequenas … brincamos juntas … e vos acompanhei sempre mesmo quando vos casastes.

  --- Verdade que sim … amiga minha … lembro-me que chorei muito no teu ombro quando o meu pai fechou o contrato do meu casamento com Wuamba.

   --- Lembro-me perfeitamente.

   --- Por isso peço a vossa ajuda neste momento.

   --- Sei o que quereis.

   --- Sabes?

  --- Sim … conheço-vos há tantos anos … quereis encontrar-vos com o mouro.

  --- Sim! Me acompanhais?

  --- Sabeis que sim.

   --- Podeis conseguir que abram as portas sem que se dêem conta que sou eu que saio?

   --- Bem. Conheço o chefe dos sentinelas. Não haverá problema.

   Coberta com um dos lenços de aia, Amélia e Bruneida não tiveram problemas em sair. No rio, perto da margem, estava uma pequena barcaça.

   --- Vos espero aqui, senhora.

   Amélia entrou pela agua e aproximou-se do barco … o homem ajudou-a a subir.

   --- Obrigado por vir.

   --- Não devia estar aqui … sabeis isso.

   --- Talvez … mas me alegro muito que estejais agora mesmo comigo.

   --- Não sei nem por que vim.

   --- No importa … estais aqui … nada mais importa.

   --- Bem!

   --- Posso perguntar-vos algo?

   --- Sim.

   --- Conheço Wuamba … tem já alguma idade … vós sois jovem … bela … como vos casastes com ele?

   --- Uma velha historia. Um contrato do meu pai com o meu marido … não tive nada que ver com esse tema.

  --- És demasiado jovem e demasiado bela … necessitais alguém que possa amar-vos plenamente …

   --- Perdoa … devo regressar … se me descobrem … se nos descobrem … estamos perdidos …

   --- Está bem … posso perguntar-vos quando voltareis aqui?

   --- Não sei … talvez amanhã.

   --- Vos esperarei aqui …

   --- Cuidado … podem ver-vos …

   --- Estarei atento.

   Rapidamente Amélia saiu do pequeno barco e se reuniu com Bruneida que ficara na margem.

   Regressaram ao castelo sem falar.

   Durante toda a semana Amélia encontrou-se com Mutsafari todas as noites … era encantador … educado … muito diferente da ideia que lhe tinham dado dos mouros …

   A ultima noite, antes do previsível regresso de Wuamba, despediram-se e o rei mouro deixou-lhe umas palavras:

    --- Construirei um túnel, atravessarei o rio por debaixo, chegarei até ao castelo e vos trarei comigo. Basta para isso que me digais que o quereis.

   Amélia ficou sem palavras … olhou aquele homem belo que a luz da lua iluminava e sentiu o que nunca sentira antes no seu peito.

   --- Sim. --- respondera-lhe antes de voltar.

   Então ele pegou-lhe na mão e a levou aos seus lábios.

 

 


   Com o regresso do rei , tudo voltou ao ritmo normal de vida.

   Durante os primeiros dias Amélia evitou baixar ao rio …

   Passaram meses sem ter qualquer noticia ou contacto com Mutsafari.

   Uma manhã, Wuamba, entrou pelo salão onde se encontrava Amélia.

   --- Tenho que falar-vos.

  Amélia fez sinal a Bruneida para que se retirasse.

   Rapidamente ficaram sós.

   --- Dizei-me senhor meu rei.

  --- Os soldados descobriram um túnel muito perto do rio … parece vir do lado mouro … por acaso não sabeis nada do assunto?

   --- Eu?!!! De um túnel!?!!?

   --- Vamos … Amélia … --- raramente a tratava pelo seu nome … --- por alguma razão sou rei … sei tudo o que se passa no meu reino … esteja ou não presente.

   --- Não sei a que vos referis …

   --- Pois ... que sei que, praticamente todos as noites em minha ausência, vós saisteis do castelo.

   Amélia estava gelada.

  --- Por isso pergunto de novo … sabeis algo sobre esse túnel?

   --- Não --- a voz tremia-lhe.

   --- Penso que a ideia era chegar ao castelo … algum erro de calculo levou a que terminasse muito longe de isso. Devo informar-vos que quando o descobriram o túnel saiam dele dois mouros que foram mortos imediatamente no local.

   Amélia levantou-se de um salto … movimento que não passou desapercebido a Wuamba.

   --- Tranquila … nenhum dos dois era Mutsafari.

   Amélia deixou-se cair na cadeira de madeira.

   --- Falamos claro?

   --- Sim.

  --- Vos encontrastes com ele em minha ausência?

   --- Sim.

   --- Em terra?

   --- Não … num barco.

   --- Bem! Não faltou ao acordo que temos.

   Olhava-a intensamente … Amélia estava cada vez mais nervosa ...

   --- O vosso coração bate por ele?

   Amélia ficou olhando o vazio … sabia que a sua sorte estava definida … a sua vida estava por pouco.

   --- Responde livremente … não vos condenarei … sei perfeitamente a diferença de anos que temos, vós e eu … sei que não posso dar-te tudo o que necessitas … por isso responde com verdade … amas-o?

   --- Sim.

   --- Obrigado pela franqueza.

   Dando meia volta, Wuamba retirou-se. Amélia não aguentou mais os seus nervos e caiu em pranto a que veio Bruneida tentar aliviar.

  Não voltaram a tocar no tema, e, aparentemente, a sua vida seguiu normal.

 

 

 


  Amélia não voltou a rio … não que lhe o proibisse o rei … mas não queria arriscar.

   Uma tarde, Bruneida entrou correndo ….

   --- Que te passa?

   --- Senhora … senhora … está aqui … está aqui …

  --- Tranquila Bruneida … que passa ? Quem está aqui?

   --- Mutsafari … o rei mouro … está no salão principal … esta falando com o nosso rei …

   Amélia não sabia que pensar …

   --- E não é tudo, senhora.

   --- Há mais novidades ainda?

  --- Sim … o rei Wuamba requer a vossa presença de imediato no salão.

   Amélia ficou um pouco confundida. Algo se estava passando … já saberia qual o plano do seu marido.

   Ao entrar , cruzou imediatamente o olhar com Mutsafari.

   Wuamba abriu os braços.

   --- Ah! Estais aí senhora. Aproximai-vos.

  Educadamente o mouro levantou-se perante a sua presença.

   --- Já conheceis o rei Mutsafari … como penso que temos um assunto que interessa a todos mandei chamá-lo, e ele, muito amavelmente, acedeu a vir até aqui.

   O mouro fez-lhe uma vénia.

   Amélia não conseguiu articular palavra.

  --- Vou ser muito franco com os dois. O rei, nosso vizinho comunicou-me o seu grande interesse por vós. Por outro lado o vosso interesse por ele já o conheço … e eu não vou meter-me entre os dois.

   Fez-se silencio.

   --- Por isso decidi que se vós quereis, senhora, vos regalo a Mutsafari.

   Amélia olhou o rei mouro sem compreender muito bem que se estava a passar …

   --- Permitis que fique com ele?

   --- Assim é.

   --- Sem nada mais.

   --- Sem mais nada … não sou rancoroso …

   --- Quando poderei vir a buscar-la --- a voz de Mutsafari parecia calma.

   --- Dentro de duas semanas, por ocasião da festa do solesticio … esperai no rio, onde vos encontrastes na minha ausência … aí a mandarei quando o sol cruze o meio dia.

   Com uma vénia o rei mouro dirigiu-se à porta e acompanhado por quatro dos seus homens, desapareceu pelo corredor.

   Amélia ficou estática … olhando Wuamba …

   --- Pareceis surpreendida, senhora.

   --- Completamente …

   --- Para que não se diga que Wuamba não tem coração.

  Os dias arrastaram-se penosamente para Amélia … a emoção apoderava-se cada vez mais dela … os nervos não lhe permitiam parar nem um segundo.

   --- Amanhã é o grande dia, senhora.

   --- Ai! Bruneida … que emoção …

   --- Terei saudades vossas … senhora …

   --- Que dizes? Tu irás comigo.

   --- Eu?!

   --- Sim, Bruneida … és a minha aia de confiança … és minha amiga … não abdico da tua companhia … nem dos teus serviços …

   As lágrimas apoderaram-se da aia e as duas acabaram abraçadas.

 

 

 

 

   Finalmente chegou o dia aprazado …

  O castelo estava engalanado e podia-se respirar o espírito de festa.

   Com um dos seus mais belos vestidos, Amélia entrou no salão onde a esperava Wuamba.

   --- Estais bela, senhora.

   --- Obrigado.

   --- Estais feliz?

   --- Sim.

   --- Acompanhai-me.

  Esticou-lhe o braço e Amélia, encantada, tomou-lhe a mão.

   Saíram do palácio e caminharam por entre a gente.

   O sol estava perfeitamente a pique … era meio dia.

   --- Baixaremos caminhando, meu rei?

   --- Não.

  Assim que passaram o grande portão o rei Wuamba tirou o braço e fez um movimento com a mão.

   Imediatamente dois soldados se colocaram um a cada lado de Amélia.

   --- Que passa, meu rei?

   --- Deveis acompanhar-los … eles te levarão a Mutsafari.

   O seu tom era agora mais sério.

  Os soldados levaram-na até a um recanto. Aí encostada à muralha estava uma grande roda de pedra ... pertencia ao moinho.

   --- Que está passando?

   --- Perdoe senhora … recebemos ordens.

   Segurando-a com os braços abertos Amélia foi amarrada à roda perante os seus gritos de protesto.

   --- Majestade, já está.

   --- Muito bem … então que ela não falte ao seu encontro.

   Quatro homens levaram a roda até ao inicio da ladeira e com um movimento coordenado lançaram-na pela encosta abaixo.

   Os gritos de Amélia eram abafados pelo ruído da roda de pedra, rolando em direcção há comitiva de recepção do rei mouro, que a esperava no rio.

   A poucos metros de Mutsafari, Amélia já não gritava. A roda entrou pelo rio imobilizando-se em poucos metros. Os homens do rei mouro libertaram-na de imediato … mas estava morta … destroçada … perante o olhar desolado de todos os que a esperavam.

   Mutsafari, com os olhos vidrados olhou furioso na direcção do castelo … conseguiu ouvir a voz de Wuamba gritando:

   --- Cumpri a minha parte do contrato. Disse que te a entregaria … só não disse como. 

 

 

 

 


    Alguns quilómetros depois de entrar em Portugal, o Rio Tejo depara-se com um importante acidente geológico: as Portas de Ródão.

   Neste local, o rio forma um estreitamento, dando lugar a uma impressionante garganta, a mais importante que o rio tem em território português.

   O principal interesse ornitológico deste local reside na sua colónia de abutres.

   No local ainda esta bem conservado, o castelo do rei Wuamba.

   Embora inicialmente não estivesse de acordo com a nomeação devido à sua avançada idade, Wamba foi forçado pela nobreza a aceitar o trono em 1 de Setembro do ano de 672 na localidade de Gertici ou Gérticos, depois chamada de Wamba em sua honra (Valladolid).

Foi o último rei que deu esplendor aos visigodos. Com a sua morte começou a decadência do império.

O rei Wamba retirou-se para o mosteiro de Monjes Negros de San Vicente em Pampliega, Burgos, actualmente desaparecido, e aí morreu no ano de 688.

 

 

 

 

   Esta lenda sobre a esposa de Wuamba, passou de geração em geração e ainda é contada por terras de Vila Velha de Ródão.

    Dizem, no local, que ainda hoje é bem visível o sitio por donde rolou a roda de pedra do moinho, com Amélia amarrada … por toda terra pisada pela grande roda, jamais nasceu qualquer vegetação … até hoje.

 

 

 

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