ESCALOS
DE BAIXO
Parou,
um pouco para recompor as forças. Já vinha correndo há mais de
duas horas e estava quase no seu limite … mas tinha que chegar à
vila … era indispensavel que chegasse.
Era
Fernando Chagas, o padeiro de Escalos de Baixo, homem bem conhecido
por todos, não só pela sua profissão, como por ser a pessoa mais
activa, socialmente falando … havia gente que pensava propor-lo
para futuro alcaide …
Fernando
corria para levar aos seus cofrades o que ele sabia … não eram
boas noticias …
A
situação nacional estava muito complicada … D. João VI declarou
que Portugal estava contra o bloqueio continental ordenado por
Napoleão …
Fernando
era considerado como o homem mais bem informado da vila … e isso
porque tinha um primo da sua mulher que estava muito bem colocado na
administração publica em Castelo Branco … sempre que algo estava
para acontecer mandava um pagem a cavalo …
Mas
desta vez Fernando, impaciente pela ausencia de contacto foi ele
mesmo à cidade. Uma queda, na viagem de regresso fe-lo ficar sem
cavalo e o resto do caminho havia que correr … e assim estava …
mais morto que vivo …
Em
Castelo Branco falara com o seu primo … as coisas estavam mal …
como se esperava, Napoleão iria invadir Portugal …. e com ele
vinham os seus aliados … os vizinhos espanhois … as piores
expectativas pareciam que se iam a cumprir … a invasão entraria
pelo vale do Tejo … e isso punha Escalos de Baixo numa possivel
rota de passagem … e bem sabia o que fariam as tropas
franco-espanholas a tudo e todos que encontrassem no seu caminho.
Os
pouco minutos que havia parado serviram para recuperar – se um
pouco … voltou à sua corrida … ainda faltavam um par e
quilometros …
A
sua cabeça girava a mil … imaginava já varios cenários possiveis
… e não lhe gostava nenhum deles …
Já
avistava as primeiras casas.
Primeiro
passaria pela igreja, o padre Inácio tinha que tocar todos os sinos
… havia que reunir todo o povo.
Hora
e meia depois estavam todos no salão paroquial, o maior espaço o
povoado e esperavam, no sem alguma ansiedade, as novidades que trazia
Fernando.
---
Já todos sabem porque estamos aqui. --- o padre tomava a palavra.
Todos
olharam na direcção de Fernando.
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Más noticias, amigos meus … más noticias.
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Veem os franceses? --- a pregunta foi repetida ao mesmo tempo por
mais de metade dos presentes.
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Sim … e os espanhois com eles …
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Estamos perdidos … de certeza que veem por aqui …
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Em Castelo Branco não têm a certeza absoluta … mas pensa-se que
entrarão pelo rio …
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E que pensa hacer o representante do rei?
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Não ides acreditar …
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Vão por-se do lado deles?
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Si. Mandarão uma embaixada e tentarão não entrar em conflito …
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Traidores …
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Tranquilos … esse não é um problema nosso … tenemos coisas mais
importantes em que pensar …
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É verdade. Primeiro passarão por aqui … estamos em grande perigo.
---
Temos que pensar que vamos a fazer …
A
verdade é que não tinham muitas acções possiveis …
---
Os de Castelo Branco têm razão … há que tentar dialogar … pode
que assim não nos ataquem …
A
grande maioria assobiou …
---
Es tão traidor como eles …
---
Temos que resistir … conhecemos esta região como ninguém …
Fernando
levantou os brazos …
---
Pensem bem … quantos homens fortes para combater conseguimos
reunir? 100? 200? Eles serão mais de 20 000. Temos que ser
realistas.
---
Podemos rezar.
A
ideia vinha, como era evidente, do padre Inácio.
---
Para quando se preve a chegada os exercitos?
---
O meu primo disse-me que dentro de dois dias.
Padre
Inácio levantou-se … fez-se silencio …
---
Cada um fará o que melhor lhe pareça … eu, amanhã, pelo nascer
do sol subirei ao cabeço e estarei rezando até que tudo se
solucione.
O
silencio permaneceu por largos minutos … depois alguem disse:
---
E isso que resolve?
---
Tens uma ieia melhor? --- a voz de Inácio era firme --- O senhor nos
ajudará. Quem quiser que me siga … amanhã pela manhã.
A
reunião estava terminada. Fernando regressou a casa … Manuela, sua
esposa escutou por suas palavras todo o que havia passado …
---
Que vais tu fazer, Fernando?
---
Não sei, querida esposa … talvez Inácio tenha razão … só Deus
nos poderá ajudar.
Eram
centenas os que ao nascer do sol esperavam a saida do padre para
acompanhá-lo. Inácio ficou perplexo … nem ele esperava ter tantos
acompanhantes …
A
caminhada até ao cimo do cabeço não levou mais de vinte minutos …
aí chegados sentaram-se no chão e o sacerdote tomou as rédeas o
dia.
Quando
já ameaçava a noite ouviram rumores de gente que chegava … todo o
povo se lhes juntava e trazia comida e mantas … e mais más
noticias …
---
Santiago, o pastor, viu à distancia os primeiros cavalos, os
invasores estarão aqui amanhã antes da hora de almoço.
A
noticia caiu como uma bomba … o silencio foi brutal …
---
Rezemos, irmãos … rezemos …
Por
toda a noite se repitram as oracções, sempre presididas pelo pare
Inacio … poco a poco, o cansaço foi vencendo um a um … por fim
Inácio deu-se conta que estava orando sozinho …
Também
ele estava exausto … temia pelo que podria passar a toda aquela
gente … olhava o céu escuro …
---
Meu Deus … ajudai estes pobres subitos … São Sebastião … tu
que eres o santo padroeiro de todos nós … olha pelo teu povo …
salva-nos de um mal que não buscamos nem provocamos …
Como
humano que era, Inácio tambem acabou por fechar os olhos e adormecer
encostado a uma arvore.
E
sonhou … sonhou que São Sebastião o olhava e lhe dizia … “ A
vossa fé vos salvará … “
O
dia chegou e, pouco a pouco todos foram despertando … não se via
um palmo em toda a volta … o dia amanhecera com um espesso nevoeiro
…
---
O que nos faltava … e agora como vamos a ver o que pasa?
Uma
vez mais o padre Inácio impos a calma …
---
Tranquilos … pode ser que Deus nos manda esta niebla para
ajudar-nos.
---
Como nos vai ajudar este nevoeiro de cortar à faca?
---
Tu ves alguma coisa?
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Pois ... não …
---
Então ninguem nos pode ver a nós … verdade?!!!
Todos
pararam … padre Inacio tinha razão … será que seria aquela a
ajuda divina por que tanto haviam rezado?
---
São Sebastião nos mandou uma ajuda … mas tambem temos que fazer
algo …
---
Que podemos fazer?
---
Silencio … vamos estar aqui todos em silencio para que ninguem nos
possa escutar.
Todos
compreenderam a ideia … e o silencio imperou em todo o cabeço …
Assim
estiveram horas … parecia que o tempo não passava … a meio da
tarde escutaram sons …
Eram
vozes de mando militares, ruidos de rodas de carros empurrados,
supostamente por soldados …
Por
veces dava a impressão que estariam a poucos metros de onde se
encontravam …
Evitavam
até respirar com força para não denunciar a sua presença.
Pouco
a pouco o silencio voltou àquelas paragens … no entanto não
ousavam falar …
De
novo caíu a noite e todos permaneceram calados.
O
novo dia trouxe sol … muito sol … mantinha-se a duvida … que
fazer?
---
Um voluntário para baixar à vila e ver como estão as coisas?
De
imediato se levantou um menino … não teria mais que 14 anos.
---
És muito joven …
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Por isso posso conseguir-lo melhor que qualquer de vós … e é mais
rapido …
---
Bem. Vai com cuidado. Como te chamas?
---
José.
Inácio
aproximou-se dele e pos a mão na sua cabeça.
---
Que Deus te acompanhe, meu filho.
José
saiu corriendo por entre as arvores.
Demorou
umas duas horas, que para todos pareceu uma eternidade … quando
regressou vinha cansado … mas feliz …
---
Como está tudo?
---
Muito bem … náo há sinal de franceses, nem espanhois …
encontrei a D. Jacinta … ela disse que não viu ninguem no dia de
ontem …
Jacinta
era a pessoa mais velha da vila … quando subiram ao cabeço sabiam
que ela não poderia acompanhar-los.
As
noticias trazidas por José tranquilizou a todos.
---
Irmãos … São Sebastião mandou o nevoeiro para ajudar-nos … com
ele escondeu a vila de Escalos de Baixo … vamos rezar por
agradecimento … proponho que construamos aqui mesmo uma igreja em
seu louvor …
Todos
pareceram estar de acordo e cairam de joelhos agradecendo ao santo
protector.
Esta
é uma das lendas que segundo dizem deu origem à capela de São
Sebastião e á romaria que todos os anos, no dia da Nossa
Senhora da Santissima Trindade , em ESCALOS DE BAIXO.
É
curioso que durante o estudo de pesquisa que fiz sobre esta lenda
descobrí tres versões com a mesma base.
Uma
contava a invasão dos arabes, em que se salvou a vila por uma
neblina espessa.
Outra
contava a invasão dos espanhois, durante a guerra da independencia …
a solução aparecia divinamente pela mesma manera … nevoeiro que
ocultava a vila …
Escolhi
como base o livro de MITOS E LENDAS DA BEIRA de JOSÉ
CARLOS DUARTE MOURA, e aqui encontrei a versão que me pareceu
mais verosimil e me serviu de base para esta dramatização.
blog de jorge peres e CARLOS CAMPOS
outros blogues do autor:
CONCIERTOS E CORVATA
Não está nada mal a lenda, a não ser as fotos da capela e do S. Sebastião que são da Lousa e não dos Escalos de Baixo.
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