domingo, 10 de febrero de 2013

... A NEBLINA DE SÃO SEBASTIÃO ...





                                       ESCALOS DE BAIXO





 
      Parou, um pouco para recompor as forças. Já vinha correndo há mais de duas horas e estava quase no seu limite … mas tinha que chegar à vila … era indispensavel que chegasse.




 

      Era Fernando Chagas, o padeiro de Escalos de Baixo, homem bem conhecido por todos, não só pela sua profissão, como por ser a pessoa mais activa, socialmente falando … havia gente que pensava propor-lo para futuro alcaide …

      Fernando corria para levar aos seus cofrades o que ele sabia … não eram boas noticias …

 

 

 

 


       A situação nacional estava muito complicada … D. João VI declarou que Portugal estava contra o bloqueio continental ordenado por Napoleão …

          Fernando era considerado como o homem mais bem informado da vila … e isso porque tinha um primo da sua mulher que estava muito bem colocado na administração publica em Castelo Branco … sempre que algo estava para acontecer mandava um pagem a cavalo …

 

 


 

       Mas desta vez Fernando, impaciente pela ausencia de contacto foi ele mesmo à cidade. Uma queda, na viagem de regresso fe-lo ficar sem cavalo e o resto do caminho havia que correr … e assim estava … mais morto que vivo …

       Em Castelo Branco falara com o seu primo … as coisas estavam mal … como se esperava, Napoleão iria invadir Portugal …. e com ele vinham os seus aliados … os vizinhos espanhois … as piores expectativas pareciam que se iam a cumprir … a invasão entraria pelo vale do Tejo … e isso punha Escalos de Baixo numa possivel rota de passagem … e bem sabia o que fariam as tropas franco-espanholas a tudo e todos que encontrassem no seu caminho.

 

 

 


 

      Os pouco minutos que havia parado serviram para recuperar – se um pouco … voltou à sua corrida … ainda faltavam um par e quilometros …

      A sua cabeça girava a mil … imaginava já varios cenários possiveis … e não lhe gostava nenhum deles …

     Já avistava as primeiras casas.

 

 

 

 


       Primeiro passaria pela igreja, o padre Inácio tinha que tocar todos os sinos … havia que reunir todo o povo.

    Hora e meia depois estavam todos no salão paroquial, o maior espaço o povoado e esperavam, no sem alguma ansiedade, as novidades que trazia Fernando.

    --- Já todos sabem porque estamos aqui. --- o padre tomava a palavra.

     Todos olharam na direcção de Fernando.

     --- Más noticias, amigos meus … más noticias.

   --- Veem os franceses? --- a pregunta foi repetida ao mesmo tempo por mais de metade dos presentes.

    --- Sim … e os espanhois com eles …

    --- Estamos perdidos … de certeza que veem por aqui …

    --- Em Castelo Branco não têm a certeza absoluta … mas pensa-se que entrarão pelo rio …

    --- E que pensa hacer o representante do rei?

    --- Não ides acreditar …

    --- Vão por-se do lado deles?

    --- Si. Mandarão uma embaixada e tentarão não entrar em conflito …

    --- Traidores …

   --- Tranquilos … esse não é um problema nosso … tenemos coisas mais importantes em que pensar …

   --- É verdade. Primeiro passarão por aqui … estamos em grande perigo.

    --- Temos que pensar que vamos a fazer …

   A verdade é que não tinham muitas acções possiveis …

    --- Os de Castelo Branco têm razão … há que tentar dialogar … pode que assim não nos ataquem …

    A grande maioria assobiou …

    --- Es tão traidor como eles …

    --- Temos que resistir … conhecemos esta região como ninguém …

Fernando levantou os brazos …

  --- Pensem bem … quantos homens fortes para combater conseguimos reunir? 100? 200? Eles serão mais de 20 000. Temos que ser realistas.

   --- Podemos rezar.

A ideia vinha, como era evidente, do padre Inácio.

   --- Para quando se preve a chegada os exercitos?

   --- O meu primo disse-me que dentro de dois dias.

   Padre Inácio levantou-se … fez-se silencio …

 

 

 

 

 

     --- Cada um fará o que melhor lhe pareça … eu, amanhã, pelo nascer do sol subirei ao cabeço e estarei rezando até que tudo se solucione.

     O silencio permaneceu por largos minutos … depois alguem disse:

     --- E isso que resolve?

    --- Tens uma ieia melhor? --- a voz de Inácio era firme --- O senhor nos ajudará. Quem quiser que me siga … amanhã pela manhã.

 

 

 

 

    A reunião estava terminada. Fernando regressou a casa … Manuela, sua esposa escutou por suas palavras todo o que havia passado …

    --- Que vais tu fazer, Fernando?

   --- Não sei, querida esposa … talvez Inácio tenha razão … só Deus nos poderá ajudar.

 

 

 




      Eram centenas os que ao nascer do sol esperavam a saida do padre para acompanhá-lo. Inácio ficou perplexo … nem ele esperava ter tantos acompanhantes …

     A caminhada até ao cimo do cabeço não levou mais de vinte minutos … aí chegados sentaram-se no chão e o sacerdote tomou as rédeas o dia.

 

 

 

 

 

     Quando já ameaçava a noite ouviram rumores de gente que chegava … todo o povo se lhes juntava e trazia comida e mantas … e mais más noticias …

      --- Santiago, o pastor, viu à distancia os primeiros cavalos, os invasores estarão aqui amanhã antes da hora de almoço.

        A noticia caiu como uma bomba … o silencio foi brutal …

        --- Rezemos, irmãos … rezemos …

      Por toda a noite se repitram as oracções, sempre presididas pelo pare Inacio … poco a poco, o cansaço foi vencendo um a um … por fim Inácio deu-se conta que estava orando sozinho …

     Também ele estava exausto … temia pelo que podria passar a toda aquela gente … olhava o céu escuro …

    --- Meu Deus … ajudai estes pobres subitos … São Sebastião … tu que eres o santo padroeiro de todos nós … olha pelo teu povo … salva-nos de um mal que não buscamos nem provocamos …

      Como humano que era, Inácio tambem acabou por fechar os olhos e adormecer encostado a uma arvore.

     E sonhou … sonhou que São Sebastião o olhava e lhe dizia … “ A vossa fé vos salvará … “

 

 

 

 

 

     O dia chegou e, pouco a pouco todos foram despertando … não se via um palmo em toda a volta … o dia amanhecera com um espesso nevoeiro …

      --- O que nos faltava … e agora como vamos a ver o que pasa?

     Uma vez mais o padre Inácio impos a calma …

   --- Tranquilos … pode ser que Deus nos manda esta niebla para ajudar-nos.

    --- Como nos vai ajudar este nevoeiro de cortar à faca?

    --- Tu ves alguma coisa?

    --- Pois ... não …

    --- Então ninguem nos pode ver a nós … verdade?!!!

   Todos pararam … padre Inacio tinha razão … será que seria aquela a ajuda divina por que tanto haviam rezado?

   --- São Sebastião nos mandou uma ajuda … mas tambem temos que fazer algo …

   --- Que podemos fazer?

  --- Silencio … vamos estar aqui todos em silencio para que ninguem nos possa escutar.

   Todos compreenderam a ideia … e o silencio imperou em todo o cabeço …

 

 

 

 

 

 

     Assim estiveram horas … parecia que o tempo não passava … a meio da tarde escutaram sons …

   Eram vozes de mando militares, ruidos de rodas de carros empurrados, supostamente por soldados …

     Por veces dava a impressão que estariam a poucos metros de onde se encontravam …

   Evitavam até respirar com força para não denunciar a sua presença.

   Pouco a pouco o silencio voltou àquelas paragens … no entanto não ousavam falar …

   De novo caíu a noite e todos permaneceram calados.






 

     O novo dia trouxe sol … muito sol … mantinha-se a duvida … que fazer?

      --- Um voluntário para baixar à vila e ver como estão as coisas?

De imediato se levantou um menino … não teria mais que 14 anos.

      --- És muito joven …

    --- Por isso posso conseguir-lo melhor que qualquer de vós … e é mais rapido …

      --- Bem. Vai com cuidado. Como te chamas?

      --- José.

     Inácio aproximou-se dele e pos a mão na sua cabeça.

     --- Que Deus te acompanhe, meu filho.

 





 

      José saiu corriendo por entre as arvores.

      Demorou umas duas horas, que para todos pareceu uma eternidade … quando regressou vinha cansado … mas feliz …

     --- Como está tudo?

  --- Muito bem … náo há sinal de franceses, nem espanhois … encontrei a D. Jacinta … ela disse que não viu ninguem no dia de ontem …

    Jacinta era a pessoa mais velha da vila … quando subiram ao cabeço sabiam que ela não poderia acompanhar-los.

 

 

 


 

       As noticias trazidas por José tranquilizou a todos.

     --- Irmãos … São Sebastião mandou o nevoeiro para ajudar-nos … com ele escondeu a vila de Escalos de Baixo … vamos rezar por agradecimento … proponho que construamos aqui mesmo uma igreja em seu louvor …

      Todos pareceram estar de acordo e cairam de joelhos agradecendo ao santo protector.

 

 

 

      Esta é uma das lendas que segundo dizem deu origem à capela de São Sebastião e á romaria que todos os anos, no dia da Nossa Senhora da Santissima Trindade , em ESCALOS DE BAIXO.

       É curioso que durante o estudo de pesquisa que fiz sobre esta lenda descobrí tres versões com a mesma base.

       Uma contava a invasão dos arabes, em que se salvou a vila por uma neblina espessa.

      Outra contava a invasão dos espanhois, durante a guerra da independencia … a solução aparecia divinamente pela mesma manera … nevoeiro que ocultava a vila …

     Escolhi como base o livro de MITOS E LENDAS DA BEIRA de JOSÉ CARLOS DUARTE MOURA, e aqui encontrei a versão que me pareceu mais verosimil e me serviu de base para esta dramatização.

 

 



 

 

blog de jorge peres e CARLOS CAMPOS

 

 

outros blogues do autor:

 

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POR LA MANO DE MI MENTE

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1 comentario:

  1. Não está nada mal a lenda, a não ser as fotos da capela e do S. Sebastião que são da Lousa e não dos Escalos de Baixo.

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