SARZEDAS
O sol já começava a sua descida … o dia estava por horas. João olhou o terreno que tinha diante de si … se fustigasse um pouco mais o seu burro talvez conseguisse lavrar o que le faltava do olival do seu vizinho.
Assim ganhava a vida, graças ao seu valente jumento … chamavam-no de quando em quando para lavrar ou tão simplesmente tirar àgua de um qualquier poço.
Teria ainda cerca de uma hora de sol e havia que aproveita-la ao maximo.
--- Vamos Tigre … dá-le forte … vamos companheiro.
O animal pareceu escutar-lo … o seu passo tornou-se mais vigoroso … por detras, o seu dono guiava o arado.
De repente … algo aconteceu que escapou totalmente à compreensão do bom homem … o arado estancou repentinamente … Tigre lançou um gemido de intensa dor … João saiu disparado e voou um bom par de segundos para aterrar com grande aparato uns metros mais adiante.
No ar ficou o silencio … e o pó.
João levantou-se, sacudiu a camisa e as calças ... tentou compreender o que havia pasado.
O arado havia ficado preso em algo que estava enterrado a cerca de um metro e meio da superficie.
Ajoelhou, e com as mãos, tentou descobrir que havia ali.
Primeiro pensou que fosse uma raiz de alguma oliveira que chegasse até ali … mas os seus dedos tocaram em algo duro … e frio … uma pedra … uma pedra grande …
Foi buscar a enchada e começou a destapar todo o achado … um bloco de pedra de cerca de um metro de comprimento por trinta centimetros de largura … uma expessura de outros 30 centimetros …
Não era uma pedra qualquier … via-se que estava tallada por mãos entendidas.
Então se deu conta que não poderia retomar o seu trabalho.
O incidente havia destruido uma das cordas que uniam o burro ao arado … tinha outra corda … mas estava em casa … por aquele dia se acabava o trabalho … teria que voltar amanhã.
Aproveitou o que sobrou da corda rota y atou o melhor que pode a grande pedra … iria arrastá-la até ao centro da aldeia. Tinha que mostrar a todos o seu achado.
O enorme ruido causado pelo arrastar da pedra chamou a atenção de todos. Parou na larga praça, mesmo ao lado do pelourinho.
Todos quiseram ver o achado de João Leitão e este contava e repetia o incidente com o arado.
--- Parece que encontraste algo grande, João.
Fez silencio … por detras de todos D. Manuel Antonio da Silva, o paroco de Sarzedas tentava também ver o pedregulho.
Todos se desviaram e o padre aproximou-se … passou as mãos pela pedra … passados alguns minutos ergueu-se …
--- Esta pedra tem uma inscrições … João podes arrasta-la até as trazeiras de mi casa? Farei uma observação mais cuidada amanhã depois da missa matinal.
A casa do paroco estava do outro lado da praça … em pouco tempo se arrastou a pedra até ao seu quintal.
Fechou o portão de madeira detras de si. De casa trouxera uns pinceis … ajoelhou e com muita tranquilidade começou a limpar a pedra.
A ideia roubara-lhe algum sono na ultima noite … chegou mesmo a aligeirar a primeira missa do dia para estar ali e começar aquela tarefa …
Em pouco mais de meia hora as inscrições tornaram-se mais claras.
D. Manuel da Silva tirou do bolso da sotaina un pouco de papel grosseiro e um pedaço de carvão.
Lentamente foi copiando as letras que pareciam ganhar vida:
“ VERATIA VERATI FILIA REEDIFICAVIT HOC OPPIDVM SARZEDENSAE ET CONCESSIT EI PREVILEGIVM CIVITATIS “
Era o que imaginava … latin …
Regressou a casa com o papel na mão e sentou-se na sua biblioteca, não sem antes escolher da grande vitrina um grosso livro.
O seu latin estava um pouco oxidado … mas conseguiria traduzir a inscrição.
Por debaixo da primeira linha escreveu palavra a palavra o resultado do seu exercicio:
“VIRIATA, FILHA DE VIRIATO, REEDIFICOU ESTE CASTELO DE SARZEDAS E CONCEDEU-LHE O PREVILEGIO DE CIDADE”
O padre levantou-se e ficou uns segundos olhando o papel com a tradução final … …
A filha de Viriato … aquela pedra vinha mostrar que a antiguidade daquela aldeia estava muito mais alem do que se pensava e demonstrava a importancia que noutros tempos evidenciava … bom Deus … cidade …
Havia que informar o presidente da junta …
De uma gaveta tirou un caderno manuscrito … tinha que registar no seu diario … sentou-se de novo … testificou no papel todo o que havia pasado nas ultimas horas, a descoberta da inscrição e a sua tradução … no final da pagina … a data … 12 de Abril de 1808.
A missa da tarde foi mais longa. Aproveitando a homilia o paroco fez um discurso caloroso, contando o conteudo da piedra e convencendo os ouvientes, o que foi facil, da importancia daquela aldeia perdida na serra.
Sarzedas era a aldea mais importante do concelho. No final todo o povo esperou o padre no atrio da igreja e aplaudiu-o em ambiente de grande festa.
Dramatização
– jorge peres
INVESTIGAÇÃO:
A descoberta daquela inscrição causou uma grande revolução nos meios governativos de Castelo Branco chegando a ser tema de ensino na escola primaria da aldeia.
Toda a historia chegou a Lisboa e em 1910 o arqueologo Leite de Vasconcelos no seu livro “ O archeologo Portugues” expressou a sua discordancia quanto à traducção da referida inscrição.
Não foi tomado muito em serio, Sarzedas era uma aldea do interior do país e como tal sem muito peso no governo central.
Em 1930, historiadores e jornalistas como, Couceiro de Albuquerque, Francisco Duarte de Miranda ou Godofredo Alberto dos Santos Ferreira escreveram aceitando a tradução de D. Manuel da Silva.
Foi necesario chegar a 1965 para que finalmente M.Lourdes Alberto, no seu livro “Emerita” apresentasse a tradução correcta da inscrição:
“Aqui jaz Verácia, filha de Verácio, seu pai ( o mãe ) mandou colocar esta memoria.”
Os conhecimentos linguisticos do paroco de 1808 não permitiram a traducção mais correcta.
Os detalles, para os interessados,encontram-se no livro que serviu de base a este meu trabalho, o livro:
“A PROPOSITO DAS INSCRIÇÕES DE SARZEDAS E SERTÔ
de Jose D'Encarnação e Manuel Leitão da Faculdade de Letras e Instituto de Arqueologia da Universidade de Coimbra, datado de 1982.
A verdade é que Sarzedas teve o seu castelo, de que praticamente não há vestigios concretos.
A aldeia de Sarzedas insere-se no concelho de Castelo Branco, região da Beira Interior Sul que compreende a parcela do território da Beira Baixa situada na “zona raiana”, tendo por limites a Norte a serra da Gardunha e a Sul o rio Tejo.
Foi às autoridades do município da Covilhã que D. Sancho I solicitou para seu filho D. Gil Sanches a concessão de Sarzedas, na forma de herança.
A régia pretensão foi atendida e em 1212 D. Gil Sanches e Paio Pais concedem foral e costumes da Covilhã a Sarzedas, com vista a restaurá-la e povoá-la.
Este foral, e também o foral de D. Manuel I (1512), assumem grande importância para o estudo histórico de Sarzedas.
O
foral novo, outorgado por D.
Manuel I
em 1512,
vigoraria no concelho até 1848,
data em que o município foi extinto.
Em 1762
quando
Portugal
esteve envolvido na Guerra
dos Sete Anos,
recusando-se a tomar parte na luta contra os seus velhos aliados
ingleses, Portugal
viu-se invadido pelos exércitos franco-espanhóis. Sarzedas
foi
ocupada, tendo sido aqui que o general inimigo, o espanhol Conde
de Aranha,
estabeleceu aqui o seu quartel.
No inicio do século
XIX
a freguesia de Sarzedas
sofre novamente os horrores da guerra quando Napoleão
Bonaparte,
imperador dos franceses, concebe, com o fim de vencer Inglaterra,
o bloqueio
Continental
a que Portugal
se recusou aderir.
Com o seu cortejo de crimes, saques, incêndios e roubos, entram os franceses em Sarzedas, no dia 22 de Novembro de 1807.
A origem da palavra “Sarzedas” tem origem botânica, provavelmente radicada ou no étimo “quercus”, que significa carvalho, ou no termo “Cereceda”, lugar onde proliferam cerejeiras ou cerdeiras.
Festividades :
Festa Popular, no segundo fim-de-semana de Agosto
Festa da Padroeira N. Srª da Conceição, a 8 de Dezembro
blog de jorge peres e carlos campos
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